sexta-feira, 23 de maio de 2008

RECOMENDO

Uma coisa de cada vez
"Certa vez, muito intrigado, um discípulo abordou seu velho mestre:– Como o senhor, de idade tão avançada, parece ainda mais novo do que nós? Como pode estar sempre tão bem disposto e alegre?A resposta veio em seguida, mas naquele tom calmo, comum aos sábios, ondulante e com todas as pausas:– Quando eu como, eu como. Quando eu durmo, eu durmo. Este pequena história, de nobre mas desconhecida origem oriental, nos dá pistas para investigar um tema que muito nos interessa nos dias de hoje: a dificuldade que temos ao tentar fazer uma coisa de cada vez. O homem é um ser explorador por natureza. Graças a essa característica espalhou-se pelo planeta, povoando todos os continentes. No entanto, a mais importante das explorações do homem deveria a ser a exploração de si mesmo, de seu mundo interior, intrapsíquico, espiritual. O “conhece-te a ti mesmo” socrático encontra apoio na psicologia moderna, que deseja um homem autoconsciente, equilibrado, senhor de seus pensamentos e de seu destino. A exploração interna, entretanto, tem estado em crise. Informações, tarefas, cobranças, desejos, ofertas, temos tudo em excesso. Não dá tempo para que olhemos para dentro, porque temos muito aí fora para olhar. Além disso, a vida moderna às vezes faz exigências paradoxais. Aquelas que, quando você atende a uma, não pode atender à outra. Manda você estar ligado a todos os assuntos ao mesmo tempo, “antenado”, “plugado”, “conectado”, só para usar alguns dos neologismos pertinentes, mas também manda você ser calmo, sereno e criativo. E dá pra ser tudo isso simultâneamente?Lembro-me de um amigo praticante de yoga que foi convocado para servir o exército. Ele me disse:– Está sendo uma boa experiência. A única coisa que não entendo é quando o sargento manda a gente encolher a barriga e encher o peito de ar. Como fazer isso, se para respirar fundo eu preciso baixar o diafragma, e então não dá para encolher a barriga?O mundo atualmente também é assim. Manda você respirar fundo e encolher a barriga. O principal de todos os conselhos “modernos” que costumamos receber, e às vezes dar, é que devemos ser “multimídias” – fazer várias coisas, ter diversas habilidades, usar muitos canais de comunicação, mudar de atividade continuamente. Os seres multimídia queixam-se, entretanto, de algumas dificuldades:
• é necessário ser especialista e generalista ao mesmo tempo;
• lidar com o volume de informações que, se por um lado são o oxigênio da maioria das profissões, são intoxicantes em função de seu excesso;
• fazer várias coisas ao mesmo tempo com a mesma qualidade obtida em tarefas de dedicação exclusiva;
• multiplicar o tempo, que parece cada vez mais raro, e que escorre entre nossos dedos.
O homem moderno tem de parar e pensar. Perceber que rupturas não são modernas, mas novas propostas, sim. O moderno sente o presente, olha para o futuro e utiliza o passado como ensinamento. O moderno não despreza o que a humanidade pensou, escreveu e produziu nos últimos seis milênios, e sim adapta esse legado à atualidade.De repente você se descobre em um mundo com muita atividade, muita informação, muita exigência e pouco tempo. É uma combinação explosiva, cujo resultado pode ser representado por produtividade baixa e estresse alto. A não ser – felizmente sempre há um “a não ser” – que você se organize, e não apenas em termos de agenda, mas em termos de qualidade mental. A primeira lição: o cérebro trabalha melhor quanto mais focado estiver. Concentração é sinônimo de qualidade."
MUSSAK, Eugênio - Uma coisa de cada vez: atitudes para viver melhor. São Paulo: Editora Gente: Vida Simples, 2006

Nenhum comentário: