sábado, 17 de janeiro de 2009

"No Túnel do Tempo"

Dando sequência à proposta de semear a cultura da música, publico hoje mais um artigo do professor Ludwig Oliveira, desta feita ressaltando o estilo “brega” e “cafona”(tão em moda hoje, apesar da roupagem mais modernizada). Bom proveito você, na certeza de que conhecimentos novos e lembranças levam a uma cultura consolidada.



DO "CAFONA" AO "BREGA"
São vários os anos em que pesquiso sobre música popular brasileira e dentre os mais variados autores que os tenho, um deles é uma espécie de referência para o assunto em tela: José Ramos Tinhorão, que já lançou uns doze ou treze livros, possuo dois deles: “Música popular: um tema em debate”, de 1966 e “Música popular: o ensaio é no jornal” um dos mais recentes de sua autoria, são livros estribados em trabalho de pesquisa e análise crítica sobre os mais variados gêneros e compositores, mas o polêmico Tinhorão nunca abordou nomes como Paulo Sérgio, Odair José, Nelson Ned ou Benito di Paula, vertente esta, que era rotulada de “cafona”, palavra italiana, cafoné, que significa indivíduo humilde, tolo. Criada no Brasil pelo jornalista e compositor Carlos Imperial , a expressão cafona subsiste hoje como um termo utilizado para designar “coisa barata, descuidada e malfeita” , disse certa feita o pesquisador Ricardo Cravo Albin: “sempre que eu fizer referência ao repertório “cafona” – a palavra aparecerá entre aspas porque contém um juízo de valor impregnado de preconceitos com os quais não compartilho - , estarei me referindo àquela vertente da música popular brasileira consumida pelo público de baixa renda”, no que eu concordo com Cravo Albin. O economista Edmar Bacha criou o termo “Belíndia”, uma metáfora para explicar a existência de dois “Brasis”, um composto pela classe média e alta, morando no grande centro urbano e com um padrão de vida de primeiro mundo, semelhante ao da população da Bélgica; outro, composto pela classe média baixa e assalariada, vivendo em precárias condições, sem escola e informação e com um padrão de consumo semelhante ao da população da Índia,. Transportando esta metáfora para o campo específico da música, é possível dizer que artistas como Chico Buarque, Milton Nascimento e Caetano Veloso tinham seu público entre os habitantes da “Bélgica”, enquanto que os cantores “cafonas” eram ouvidos e admirados pela imensa maioria da população da “Índia”. Pois, Tinhorão e o pesquisador Ary Vasconcelos sempre se preocuparam com a população “pseudo-intelectual” voltada para o estilo daqueles que faziam a MPB – Caetano, Gil, Milton Nascimento, Edu Lobo, Geraldo Vandré, Chico Buarque e discos como “Sinal Fechado” e “Clube da Esquina” , sem dúvida representativos, mas que na época eram consumidos por um segmento mais restrito de público, da classe média. São coisas que me levam a uma reflexão acerca do silêncio da história. O historiador francês Jacgues Le Goff, afirmava que era preciso interrogar-se sobre os esquecimentos, os hiatos, os espaços em branco. “Devemos fazer o inventário dos arquivos do silêncio, e fazer a história a partir dos documentos e das ausências de documentos”. Quando pesquiso a obra musical de uma geração de cantores/compositores considerados “cafonas”, recuperar a memória de uma facção da cultura deixada pra trás. Quem não lembra e quem não gosta de ouvir a balada: “Esta é a última canção/ que eu faço pra você/ já cansei de viver iludido/ só pensando em você...do alfaiate e cantor Paulo Sérgio.

LUDWIG OLIVEIRA
Radialista e Professor



(artigo publicado originalmente no JORNAL DA CIDADE , Aracau/SE, em março de 2008)

Assista ao vídeo "Amor tem que ser Amor", com a participação do cantor Paulo Sérgio no Programa "Globo de Ouro", em 1976.


Lygia Prudente

10 comentários:

Daniel Savio disse...

Hum, interessante o texto.

Mas acho que a falta de livros falando sobre o estilo "cafona" é devido que mesmo as canções "cafonas" atingim uma grande maioria, esta grande maioria da população acabaria não tendo acesso este material (então as editoras não teriam o retorno financeiro aceitavel).

Mas hoje dia, com a distribuição da informação de uma forma mais barata, o problema acaba sendo aonde procurar.

Fiquem com Deus, Lygia e Armando.
Um abraço.

tesco disse...

Daniel tocou num ponto nevralgico: Realmente tais llivros não teriam vendagem compensadora. Mesmo os que se faziam sobre MPB não eram 'best sellers', os fãs preferiam os discos aos livros.
Havia um grande preconceito na época mas, Benito di Paula sempre fez MPB, o cafona legótimo era Odair José, Waldick Soriano, Roberto Müller, Lindomar Castilho, Cláudia Barroso, e por aí vai. Paulo sérgio ficava numa zona limítrofe entre o cafona e a Jovem Guarda, porque muitos dos seus fãs eram de uma classe sócio-econômica mais abastada, o que elevava seu patamar. Boa pesquisa do Ludwig, mas o tema é extenso, uma só crônica apenas arranha o assunto.
O sortesco 5 já foi postado, Lygia, aguardamos sua opção. _Beijos.

Ludwig disse...

Valeu Cara!!!!!!

Unknown disse...

Esse é o nobre professor Ludwig , exímio escritor de artigos relacionados as épocas dos grandes bailes, da bossa nova, do chorinho... em fim , grande conhecedor da chamada "Boa Música".
Valeu ai cara XD !!!
By : Péricles

Bill Falcão disse...

Trabalhei com Imperial e, como ele, sei que esse negócio de "cafona" é bem subjetivo. Tem gente que não aceita certos estilos musicais. Na época do Imperial, quando isso acontecia, ele dizia que era cafona.
Expressão pouco usada hoje, mas que ainda serve pra explicar porque não se gosta de certas tendências.

Armando, lembro que você deixou um comentário pedindo um conto do Chico PF. Pois bem, eu publiquei esta semana. Vá lá conferir! Aliás, eu já publiquei uns 3 dele, creio, entre 2007 e 2008. É que não posso publicar em série, senão a editora chia, percebe?
Abraços!

Anônimo disse...

Um texto simplesmente genial e acima de tudo, grandemente informativo Professor Ludwig! Temas redigidos desta forma não só ajudam o entendimento do leitor, como faz-nos adiquirir uma série de informações inovadoras á conceitos adiquiridos até então; é gratificante saber que você é uma das pessoas que se interessam por abordar a questão destas GRANDES canções, as adimiradas por aqueles que desejam adicionar cultura á suas mentes e não deixar este "encanto" morrer jamais.
Resumidamente: Parabéns!

Ahhh, e claro, mesmo estando um "pouco" distante, te escuto sempre!
Até mais!
Thamyres
Beeeijos!

José Cleverton disse...

Quem não se lembra do Paulo Sérgio, Nelson Ned, Odair José, Benito di Paula, ...? Eu me lembro. Suas canções belíssimas e interpretadas de uma forma invulgar marcaram uma época. E, até hoje, com certeza, não perdeu espaço e encanta o seu público tão fiel. É salutar ver pessoas, a exemplo do prof. Ludwig Oliveira, que com sua pesquisa, escreve e resgata essas preciosidades. Seja a canção de qual estilo for. Se foi bem trabalhada é boa. Se é boa não perderá jamais o seu espaço e o seu público. Parabéns, prof. Ludwig. José Cleverton de Oliveira

lpzinho disse...

Faz tempo que eu não apareço por aqui, não é?
Mas valeu a pena entrar mais uma vez no seu blog.
O texto é precioso... uma quase-aula sobre o assunto.
Na realidade, adoro qdo encontro em blogs coisas assim, variantes bacanas ao mundo blogueiro.
E eu sou suspeito pq adoro blogs em geral, desde os miguxos até aqueles onde os assuntos são pra lá de sérios como política, economia, etc.
Parabéns pela postagem... e tb pelos teus textos sempre corretos! =)
Saudade!!!

Sucesso pra vc sempre, Lygia!

Saco de Bagulhos disse...

Essa massificação midiática que assolou o país! Se eu fosse mais otimista, diria que o fim das músiquinhas e dancinhas banais e erotizadas, feitas somente para gerar dinheiro e mais gente "robotizada" está próximo! Porém...
Não que eu não goste de uma música pop, só que prefiro as feitas para entreter e divertir e não banalizar.
Quanto ao cafona, quando se trata de obras de qualidade e de valor cultural, descarto a palavra do meu vocabulário.
Pena que as editoras e gravadoras não reconheçam que ainda tem muita gente a procura de obras de qualidade, como essas mencionadas ou postadas aqui.
Gostei daqui, voltarei mais vezes.
Abraço

XICO JÚNIOR disse...

Lygia Prudente!

Sou um inveterado romântico e um fã do saudoso Paulo Sérgio, que gravou belíssimamente "India", "Minha Madrinha", "Deus Que Lhe Proteja" (com seu filho), "A Última Canção", "No Dia Em que Parti", entre tantas mais. Assim, se puderes me fazer a gentileza, gostaria de receber por e-mail (la-stampa@ig.com.br ou frapagot@ibest.com.br) esse vídeo do Paulo Sérgio no "Globo de Ouro", pelo que te ficaria eternamente grato.
Meu blog - e teria a imensa satisfação de ver teu comentário lá - é ESPAÇO GÓTICO - http://xicojunior.blogspot.com - e lá vais encontrar outros mais no menu à esquerda.

Fico ansioso no aguardo.
Ah! Meus parabens pelo teu blog ... de muitíssimo bom gosto e os temas muito pertinentes. Parabéns!

Xico Júnior - Jornalista, Radialista, Acervista e Escritor (autor de 6 livros já publicados)