domingo, 30 de novembro de 2008

Época de magia.


E novamente é Natal! Há um clima de alvoroço no ar e consigo vislumbrar o desespero das compras de última hora, do embrulhar dos presentes e o arrumar da casa para a tão formal e compromissada ceia de Natal. Apesar de termos vivenciado esta cena por incontáveis vezes, um misto de prazer e hábito impera nesta época do ano tão cheia de magia, de sentimentos nobres que podem e devem ser explorados mais profundamente, através de atitude solidárias e de partilha. Para isso, devemos primar por uma organização em termos de planejamento para que não deixemos que este momento passe sem que tenhamos tempo de exercitar a real essência do Natal. Para começo de conversa, procuremos fazer uma lista de todas as pessoas a quem pretendemos presentear acompanhada das sugestões que se coadunam com a personalidade de cada uma. Embora a tradição precise ser preservada - temos este compromisso - os tempos são outros, reduzindo, significativamente, o número de pessoas constantes desta relação. Os netos hoje são prioridade e recebem o tão esperado presente no lugar dos pais que, por sua vez, se contentam em ver a felicidade dos filhotes. Por outro lado, há presentes para todos os gostos e todos os preços, facilitando assim, a adequação do seu Natal à condição da sua bolsa. Os presentes "curinga" são os preferidos e fáceis de encontrar, a exemplo do porta-retratos, lápis, etc. Particularmente os "curinga" não se constituem no meu interesse. Na minha opinião o presente não só deve como tem que ter a "cara" do presenteado e o valor não precisa extrapolar o seu planejamento. Vinhos e chocolates têm lugar garantido no gosto esmerado de quem os recebe. Lembro-me de ter vivenciado alguns Natais nos quais era adotado como presente um queijo do reino. Saudosos tempos. Lembremo-nos dos bazares beneficentes muito aflorados nesta época do ano e onde se tem a chance de comprar um presente mais sofisticado e, também, da internet, recurso muito utilizado nos dias atuais pela praticidade que oferece. Enfim, o planejamento e a organização decidem sobre como atravessaremos os festejos natalinos. Só depende de nós!


Lygia Prudente

domingo, 23 de novembro de 2008

Coronelismo de Fraque


Sidarta Gautama – Buda – diz que “para alcançar a sabedoria, o indivíduo tem que abrir um caminho de dentro para fora, ao invés de tentar absorver a luz, supondo que ela se encontre além de si mesmo”. Sábio esse “cara” não é mesmo? Há uma necessidade imperiosa, característica dos ditos tempos modernos, que nos acostumemos a perceber coisas que no primeiro momento nos fogem, aguçando cada vez mais o nosso senso comum, porque é dele que se manifesta, em todas as ações que praticamos, os nossos valores morais, herança dos nossos pais, de inestimável valor. Constata-se, na modernidade, a ausência de princípios como a solidariedade, o respeito pelo outro, a partilha e, em contrapartida, semeia-se a discórdia, a ambição exarcebada, o poder do dinheiro – que tudo compra e tudo pode, fazendo desaparecer os limites e enaltecendo, cada vez mais, a vontade de poucos, alicerçada pelo preconceito latente e a naturalidade dos atos praticados para se chegar ao alcance de objetivos ilógicos e, acima de tudo, sórdidos. O bom disso tudo é que ainda consigo ficar surpresa e estupefata ante fatos desta natureza. Quanta hipocrisia no lidar com pessoas, “socialmente” falando, falsidade e “jogo de cintura”, que permeiam as relações dos “poderosos”, dos donos do dinheiro, no mundo atual, predominantemente alicerçada pela vontade de vencer sempre. Sentimos falta de “berço” – no sentido da formação e da educação familiar, com princípios nobres fortemente arraigados e indispensáveis na construção do sujeito coerente, completo, que contribua positivamente para a sociedade na qual está inserido, independente do patrimônio material que o acompanhe. Não é a modernidade que vai estabelecer parâmetros como este, e sim, cada um de nós, dentro do que temos como importante e norteados pela escala de valores advinda do nosso senso comum, a nossa intuição, produto da nossa formação. A globalização impõe regras - quando estimula a competitividade desenfreada - que precisam ser avaliadas. Devemos absorver e tomar como parâmetros aquilo que detectamos como enriquecedor, porque o que conquistamos de puro e durável da vida atribulada que levamos, são as relações com as pessoas que pensam igual. E a estas temos a obrigação de não decepcioná-las. Sejamos a essência do nosso interior e assim estaremos fortalecidos para enfrentar o mal com o qual convivemos diariamente, camuflado em peles de cordeiros.


Lygia Prudente

domingo, 2 de novembro de 2008

Lampião no contexto do cangaço


Sete décadas da morte do Rei do Cangaço, Maria Bonita e mais nove companheiros, ocorrida na manhã de 28 de julho de 1938, numa emboscada que ficou conhecida como o “Massacre de Angico”, em Poço Redondo-SE. Chega ao fim a trajetória do mais popular cangaceiro do Brasil. Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Por sua inteligência e destreza, Lampião até hoje é considerado o Rei do Cangaço. No sertão castigado por secas prolongadas e marcado por desigualdades sociais, a figura do coronel representava o poder e a lei. Criava-se desta forma um quadro de injustiças que favorecia o banditismo social. Pequenos bandos armados, chamados cangaceiros, insurgiam-se contra o poder vigente e espalhavam violência na região.
Eram freqüentes, também, os atritos entre famílias tradicionais devido às questões da posse das terras, às invasões de animais e às brigas pelo comando político da região. Num desses confrontos, o pai de Lampião foi assassinado. Para vingar a morte do pai, entre outros motivos, Lampião entra para o cangaço.
O cangaço - movimento constituído de várias nuances no tempo e no espaço – teve suas primeiras manifestações na década de 1830, com grupos espontâneos que agiam no meio rural, instrumentalizados para resolver disputas políticas entre os potentados locais ou pela propriedade da terra. O cangaço sempre foi caronista dos momentos de crises políticas e sociais ocorridas em várias etapas da História do Brasil. O auge das suas ações e da organização cangaceirista se deu nas três primeiras décadas do século XX, sobretudo com o surgimento de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, a partir de 1918. Na verdade, o Cangaço é um sintoma da luta de classe que se processava no Nordeste. Entretanto, o cangaceiro não tinha consciência social e o Cangaço acabava sendo simplesmente uma reação à miséria que não se resolvia de forma racional e sim, pela violência. Para entendermos bem tudo isso, é preciso acompanhar como atuavam os cangaceiros, e, principalmente, o grupo de Lampião, de quem se tem mais informação. O desenrolar da história do cangaço, tem raízes fortes na questão social e na disputa por um espaço de chão, fatores que influenciaram, indiscutivelmente, no surgimento das revoltas populares, de grupos e líderes que buscavam maneiras de estabelecer um poder paralelo, em contraponto ao governo constituído, que não cumpria seu papel de manter a estabilidade e, principalmente, a justiça social. O sertão do nordeste brasileiro tem sofrido poucas alterações ao longo do tempo, tanto no aspecto climático quanto no social. Desde a segunda metade do século passado até o começo deste, a contestação à pobreza e às péssimas condições de vida tem rendido movimentos populares e muitas dores de cabeça para os donos do poder local e para a administração oficial. Várias rebeliões aconteceram, causadas pela exploração da mão-de-obra do sertanejo desalojado de suas terras pela seca e pelos grandes latifundiários, além de submetido a regimes de trabalho praticamente escravo. Essas rebeliões disseminaram-se pelo agreste, alimentadas pelo número cada vez maior de flagelados. Sem outras alternativas e sabendo que esse estado de coisas seria uma constante, os grupos de rebeldes procuraram em si mesmos os meios para tentar mudanças, instigados pelo analfabetismo, pela fome, pela falta de futuro melhor, pelos anos sucessivos de seca, pela falta de vontade política.
O sertão é, por natureza, adverso ao homem que ali tenta viver. O sertanejo nordestino e sua terra eram e continuam sendo um só todo. Tirar a terra do sertanejo é matá-lo. Tirar o sertanejo da terra é condená-lo a uma existência tão diferente do que lhe é próprio e natural que chega a ser irreal.
As causas do surgimento do cangaço foram de natureza variada. A pobreza, a falta de esperanças e a revolta não foram as únicas. Isso é mais que certo. Mas foram estas circunstâncias as mais importantes para que começassem a surgir os cangaceiros. Muitos, como dissemos, eram pequenos proprietários, mas mesmo assim tinham que se sujeitar aos coronéis. Do meio do povo sertanejo rude e maltratado surgiram os cangaceiros, convictos de que lutavam pela sobrevivência.
Lampião, ao contrário do que muita gente pensa, não foi o primeiro cangaceiro, mas foi, praticamente, o último. Sem dúvida nenhuma, foi o mais importante e o mais famoso de todos. Seu nome e seus feitos chegaram a todos os recantos de nosso país. Praticam assassinatos por vingança ou por encomenda. Pela fama que alcança, Lampião torna-se o "inimigo número um" da polícia nordestina. Muitas são as recompensas oferecidas pelo governo para quem o capture. Mas as tropas oficiais sempre sofrem derrotas quando enfrentam seu bando.
Em 1930, há o ingresso das mulheres no bando. E Maria Déia, a Maria Bonita, torna-se a grande companheira de Lampião. Esta "aristocracia cangaceira" , como define Lampião, tem suas regras, sua cultura e sua moda. As roupas, inspiradas em heróis e guerreiros, bem ao estilo de Napoleão Bonaparte, são desenhadas e confeccionadas pelo próprio Lampião. Os chapéus, as botas, as cartucheiras, os ornamentos em ouro e prata, mostram sua habilidade como artesão.
Após dezoito anos, a polícia finalmente consegue pegar o maior dos cangaceiros. Na madrugada do dia 28 de julho de 1938, a Volante do tenente João Bezerra, numa emboscada feita na Grota do Angico, em Sergipe, mata Lampião, Maria Bonita e parte de seu bando. Suas cabeças são cortadas e expostas em praça pública. Lampião e o cangaço tornaram-se nacionalmente conhecidos. Seus feitos têm sido freqüentemente temas de romancistas, poetas, historiadores e cineastas, e fonte de inspiração para as manifestações da cultura popular, principalmente a literatura de cordel. O caminho que Lampião traçou nas sendas da Bahia, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, hoje claramente observado nos mapas e na memória viva da história do cangaço, praticamente não foi alterado nos últimos 60 anos.
Onde lutou Lampião, nos dias de hoje ainda estão as sobras da subserviência, a presença maciça da ignorância, a exploração dos pequenos e dos humildes. E, de forma geral, também a indiferença nacional continua a mesma. Até a imagem física das localidades permanece quase a mesma do século passado. Quase nada mudou desde os tempos em que Lampião decidiu que não seria mais o trabalhador Virgulino Ferreira.

Lygia Prudente